A saga de uma família de retirantes cearenses, comedores de rapadura,
rumo à terra onde a Cana dá.
Fortaleza -> Ceará -> Brasil -> Canadá -> Quebéc -> Québec
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Empregada versus vida prática
Muitos futuros imigrantes ficam pensando como vai ser penoso morar no Canadá sem a empregada. O salário mínimo daqui é de cerca de 1.500$/mês para 40 horas semanais e esse é um dos muitos fatores que faz esse país ser o que é, com bem menos problemas sociais. Mas não é só na América do Norte que as pessoas se viram sozinhas. Isso é comum também na Europa. E aí? Como é que dizem que o Canadá é um pais de alta qualidade de vida sendo escravos do lar, trabalhando em casa além de trabalhar na empresa?
A resposta é: com uma vida mais prática.
Vamos começar pelas tarefas domésticas mais cansativas. Vou tentar falar daí em termos gerais e não necessariamente o caso particular de alguém. Mas já aqui, a visão vai ser de poucas amostras, logo, não necessariamente o caso geral. Até porque não conheço também fora do Québec.
Faxina: No Brasil, é comum entrar com sapatos sujos em casa e as janelas trazem poeira da rua. Para completar, varremos a casa toda e depois passamos um pano molhado com um rodo. Ufa! Quando pensava em fazer isso, já dava preguiça. Aqui no inverno, só entramos de botas cheias de neve poucas vezes até aprendermos que dá mais trabalho enxugar a água que fica. Sem contar a lama! Por isso, a primeira coisa que fazemos ao entrar em casa é deixar os calçados na "bandeja" de plástico. O sal usado para derreter a neve corrói o verniz do piso de madeira. Quando visitarem alguém, escolham meias legais porque é de meias que ficamos na casa dos outros. Logo, evitem comprar meias brancas. Compro meiões pretos e com o mínimo de algodão possível na composição porque absorve o suor e dá frio em temperaturas abaixo de -5 graus. Também, a casa fica fechada a maior parte do ano, logo, não entra muita sujeira. Logo, ela se suja muito menos, principalmente se vocês conseguirem disciplinar os anjinhos a não comerem coisas que se esfarelam no chão ou no sofá. Quando fazemos a limpeza do chão, que é muito menos frequente, já fazemos duas operações em uma: usamos uma espécie de escovão com esponja, tecido descartável seco ou já com um produto embebido em baixo. Este escovão já "varre" a sujeita grossa e absorve a sujeira fina. Uma passada e o chão já fica limpinho. No caso da esponja, tem uma alavanca para a espremermos com pouco esforço. Não vejo acumular sujeira no resto da casa, e não vejo aranhas para fazer suas teias artísticas, logo, se precisar, vai ser uma vez perdida.
Lavar, secar e passar roupas: É só jogar na máquina de lavar, colocar uma folha de detergente sólido, apertar o botão e assistir a série de hockey Québec versus Montréal. Quando terminar, ela avisa. Aí tiramos as roupas e a folha que vai servir agora como amaciante, perfume e anti-estática, jogamos na secadora, apertamos o botão e voltamos para o terceiro tempo. Ela avisa quando estiver pronto. Acabei o tópico. Epa! você não falou de passar as roupas! Quando eu pedi um ferro de passar à amiga que me hospedou pelo primeiro mês, ela disse: eu te empresto mas eu nem sei porque eu o tenho. Nunca uso! E conversando com amigos, todos dizem que passar roupa é uma perda de tempo (isso depois de me encherem o saco por eu falar engomar ao invés de passar. Coisas do dialeto cearense!). Quando as camisas saem quentinhas da secadora, seguro pelas extremidades de baixo e dou três "sopapos" para esticá-las. Depois, botamos no cabine que elas ficam bonitinhas. As calças também. A escolha dos tecidos também ajuda, porque o velho algodão, linho e companhia vão pedir para serem passados mesmo. Mas as malhas, moleton e jeans são uma tranquilidade.
Louça: Se quiser, podem usar uma máquina de lavar louça também. No Brasil, duvidava da limpeza delas, mas faz milagre mesmo. Não precisa de pré-lavagem manual. Fazia isso porque não confiava. Foi bom eu ter tocado no assunto porque, conversando com a patroa, ficamos de pesquisar o preço e o que precisa para instalá-la. Lai vou eu de plombier/encanador outra vez.
Cozinhar: Agora eu vou ter que fazer uma boa contextualização primeiro. Bem grosseiramente, uma pessoa que ganha X reais no Brasil tende a ganhar X dólares aqui. Repito: é uma regra grosseira, só para dar uma ordem de grandeza. Assim, algo que custa 10$ aqui tem o "peso" no bolso de algo que custa R$10,00 para quem ganha em reais. Porém, o produto que compramos com 10$ custa uns R$17,00 (cotação de exemplo). Assim, com essa diferença, muitas vezes dá para pagar a importação e ainda pegar as melhores seleções de frutas, por exemplo. Compramos castanha de caju mais ou menos do mesmo preço que comprávamos no Ceará, seguindo a regra do 1$=1R$ e é importado, enquanto que o Ceará exporta. Quando são produzidos aqui, o custo fica baixo. No Brasil, muitas vezes impera a lógica do vende mais o produto que for mais barato, porém às custas de uma redução de qualidade. Aqui, vende mais o que é melhor, levando-se em conta o custo-benefício, claro, mas não focado só no custo. Para dar o exemplo mais radical: sorvetes de marca como o Kibon tem gosto de água, enquanto que já comprei que o delicioso Häagen-dazs (eita nome complicado!) por até 4$ o pote de 500ml. No Brasil, acho que custa mais de R$30,00. Também, quando o mercado consumidor é grande e exigente, pode-se e deve-se investir nos produtos.
Pronto! Isso dito, agora posso dizer que não é pecado, nem fast-food, nem apelação comprar um papillote (não sei como se traduz isso, mas é um saco de papel tipo o de pipoca) de frutos do mar e fazer no microondas. É uma delícia com camarão, peixe e algumas coisas mais que nem imagino o que sejam. E tem outras coisas que, se não estão prontas, estão semi-prontas como batatas descascadas e cortadas. Se quiserem um bolo mais gostoso que o comprado no supermercado, vão ter que ser competentes como a Mônica, senão, vai dar mais trabalho e não vai ser tão bom quanto. Isso porque muita gente consome e exige, então, como dissera (lembram do finado pretérito mais-que-perfeito?), tem mais investimentos para produzir com qualidade.
Basta dizer que eu não sabia cozinhar e me virei aqui sozinho durante o primeiro mês. Não estou dizendo para só comer comida pronta e se matar de fast-food. Vou dar um exemplo: Jogava sal, óleo, e arroz na água quente, ajustava o timer e ia ver se entendia alguma coisa na televisão. Quando dava o bipe, já tinha o arroz para esta e outra refeição. Depois fritava uma posta (eu disse Posta!) de salmão que já vinha bonitinho do supermercado, colocava uma salada que já vinha cortada e misturada e batatas fritas. Voilà/vualá! (nota do tradutor já enchendo o seu saco: não é uma tradução porque todo mundo conheçe essa palavra quando falada, apenas não sabem como se escreve) Taí um almoço gostoso, sem trabalho e que até eu faço!
Fora os afazeres de casa, as instituições aqui são na média menos burucráticas, as embalagens mais fáceis de usar e protegem mais, os eletrodomésticos são mais fáceis de desmontar e limpar, etc. Uma amiga minha devolveu o processador multi-uso Tabajaras só porque não era tão prático de desmontar e limpar. Esse tipo de produto morre fácil porque aqui os consumidores os devolvem e pegam o dinheiro de volta nos 30 primeiros dias.
E o tempo aqui é bem aproveitado. Tem rendez-vous/agendamento/hora marcada para tudo. Assim, não precisamos perder tempo esperando e normalmente somos atendidos na hora certa mesmo. As crianças daqui se viram bem mais que as brasileiras e ajudam ao invés de atrapalhar. Já trabalhavamos nessa linha no Brasil e estamos reforçando isso aqui, mas.... ai, ai, ai!
Enfim, não é a mesma coisa que ter uma pessoa dentro de casa só para trabalhar para nós, mas pensando bem, tem muito esforço desnecessário que pode ser otimizado na nossa rotina para que ela fique leve o suficiente para não nos importarmos, principalmente depois de acostumados.
No próximo capítulo dessa série, pretendo falar sobre a filosofia do faça você mesmo, que não é a mesma coisa do te vira malandro!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
muito bom saber! aqui eu já não tinha empregada nem eletrodomésticos mais elaborados minha vida é simples e tranquila, então pode ser que eu esteja bem "pronta" para a vida canadense!
ResponderExcluir:)
e adorei a frase final!
Depois de 7 meses aqui cheguei a conclusão que a vida prática corresponde à sujeira, rs. Todo lugar que você vai é sujo!
ResponderExcluirA falta de ralo no banheiro e na cozinha e de um tanque é horrível. E as minhas roupas estão morrendo depois de tanto tempo no esquema máquina de lavar e secar.
Vir para o Canadá significa fechar os olhos para limpeza e aceitar que roupas são recicláveis.
Abraços!!