sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Torre de Babel

Aquela passagem bíblica da Torre de Babel bem que poderia ter se passado aqui no Canadá. Não vou nem falar do aeroporto de Toronto porque é covardia. Mas mesmo aqui em Québec, que não tem tanto imigrante quanto os grandes centros, ainda ouço muitos idiomas estrangeiros. Mesmo sendo uma cidade fortemente francófona, ao contrário de Montréal, ouço facilmente quando passeio pela cidade gente falando os seguintes idiomas que não o francês, mais ou menos na ordem de frequência: Inglês, português (tem muito brasileiro aqui), chinês, árabe, espanhol, idiomas africanos e outros. Já ouvi de tudo, inclusive idiomas que não dá nem para reconhecer.
Particularmente falando do meu ambiente de trabalho, que não é necessariamente assim em toda a empresa, muito menos nas outras empresas e menos ainda na rua, é uma salada só. E eu adoro isso! A empresa contrata todo mundo com a exigência de falar inglês porque é uma multinacional com sede nos EUA, e temos que saber francês para não passar fome (não basta dizer numero quatre no Mequidonálde para não morrer de fome por causa dos outros nutrientes que precisamos). As teleconferências com os EUA são feitas em inglês, e o software é internacionalizado em acho que 17 idiomas, dando uma boa noção de globalização. Isso sem falar que a empresa é aberta 24 horas por causa dos fuso-horários dos escritórios daqui até a Austrália. Por causa disso, na nossa equipe ao menos, é totalmente indiferente, natural, corriqueiro, transparente, espontâneo, necessário e inevitável misturar inglês, francês e franglish. Às vezes, duas pessoas que nasceram e moram aqui conversam entre si em inglês, sem razão aparente. Ou por causa de uma só palavra que é mais conhecida em inglês, comuta-se para inglês durante o parágrafo todinho e volta-se para o francês. Ou a comutação pode ser feita apenas em palavras. Pode-se ter um diálogo onde um fala em um idioma e outro no outro idioma, etc. e se perguntado, ninguém nem sabe dizer em qual idioma falou.
Pior ainda é o franglish. É quando usam uma palavra do inglês transformada em francês. Isso acontesse muito por causa do jargão de informática. É tão exagerado que até verbos corriqueiros como fermer/fechar acabam virando closer, de to close. Tive que inovar na notação de cores para idiomas por causa disso. E assim nasce o checkouter/to check out, commiter/to commit, fixer/to fix, binder/to bind, etc. Para misturar ainda mais, somos seis brasileiros, dois portugueses e uma canadense. totalizando nove lusófonos! Um deles trabalha ao meu lado. Inevitavelmente, falo os três idiomas na mesma proporção todos os dias úteis.
Os francófonos tem a tendência de não pronunciar o H aspirado. Assim, help soa como êlp, e hire como aire. O indiano tem um L bem enrolado e o português dos portuguêses é bem diferente do nosso.
A empresa, consciente do valor dos imigrantes qualificados e da necessidade de uma boa comunicação, dá um curso de francês de duas horas por semana com um excelente professor da Universidade Laval em horário de expediente.
Em serviços ao público em geral como os governamentais (ao menos os federais), call center, lojas nacionais ou multinacionais e serviços turísticos, é comum termos opção de atendimento em ambos idiomas. Para mim é uma maravilha porque posso praticar o francês e quando travar ou ao menos ficar difícil, comuto para o inglês. Só que já aconteceu de dois vendedores agoniados não quererem perder tempo e passam logo para o inglês porque vêm que funciona melhor. Como também acontece da conversa travar em ambos idiomas quando vai para um domínio específico. Por exemplo: Como é que se chama colcha de cama, fronha, edredon e lençol? Não sei em nenhum dois dois idiomas e vou ter que comprá-los. O desconfortável mas ao mesmo tempo importante é que não tem como eu não aprender porque tenho que resolver vários problemas para começar toda uma vida de uma família usando esses idiomas. É na porrada, mas funciona!
Infelizmente, mesmo eu que sou desinibido, extrovertido e até cara de pau, passo pelo seguinte processo: No começo, temos o referencial do estudo de francês bem articulado e devagar. Daí, começamos a nos virar e contamos vitórias. Depois de algumas conversas travadas por falta de vocabulário ou simplesmente quando não conseguimos entender nada porque na rua falam rápido e displicentemente, começamos a contar algumas "derrotas". Naturalmente, começamos a evitar a exposição e entrarmos em um ciclo de retração. O nível de dificuldade do francês do dia a dia é bem mais alto, aumentando o nosso referencial, então temos a nítida sensação de estarmos desaprendendo. Depois de algum tempo, naturalmente passamos a nos comunicar melhor e começamos a ganhar confiança outra vez. Só tenho pena dos tímidos, porque tendem a ter uma retração mais forte, mas tem que enfrentar. Não tem como!
Bem pessoal, estou com a mania de escrever muito, então, até logo, à bientôt, see you soon, hasta luego.

6 comentários:

  1. Vixe. Me perdi todo com tanto idioma diferente.

    E a vida segue...

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  2. Nossa... esse final foi bem explicado. Já tive essa sensação de achar que estava desaprendendo.
    Nunca tinha pensado nisso.

    Alexi... imagina teus filhos em pouco tempo dominando 3 idiomas... massa né?

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  3. Depois de bindar o button no event, tu comita a aplicação dekstop(acopiarês).

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  4. Oi primo. É o Caio. Minha mãe indicou teu blog um dia desses. Comecei do primeiro post num domingo de manhã aí quando fui ver o domingo já estava acabando, mas cheguei ao final do blog querendo mais. Excelente conteúdo. Dá pra ter uma boa idéia da vida no Canadá e a gente aqui no Brasil viaja junto. Parabéns.
    PS: Mas me diz uma coisa. Nesse último post eu não entendi. Tu falou em 9 lusófonos no teu trabalho, mas um deles sendo canadense. Como?
    Abraço

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  5. César: E eu também, todo dia!
    KK: Acho que o Davi não vai querer falar português, mas vamos tentar.
    Thiago: Não pensava que fosse assim, mas aqui é igualzinho, só que com o francês. E bem exagerado.
    Caio: Lusófono é a pessoa que fala português, mas não necessariamente como língua nativa. Usamos esses termos terminados com fonos aqui por ser uma forma de se diferenciar as duas principais nações canadenses: francófonos (Québec) e anglófonos (os demais, menos os "indígenas"). Se os critérios não forem muito exigentes, posso dizer que sou lusoanglohispanofrancófono.

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  6. Alexei/Monica,

    Sou um Recifense que está de mudança por motivo de trabalho para Fortaleza. Estou indo para o Quebec no próximo ano e estou querendo continuar os estudos de francês. O que vocês recomendam por aí? Prof particular? AF?
    No aguardo
    João
    joao.e.maria.quebec@gmail.com

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