quarta-feira, 28 de abril de 2010

Se le portê estiver fechê, pule por riba.


Atendendo a pedidos da leitora Pat, vou contar um pouco da minha odisséia francófona.
Era uma vez, um menino cujo pai adorava idiomas estrangeiros. Quando tinha cerca de 10 anos, o pai lhe ensinava as cores em francês e algumas palavras como table/mesa, chaise/cadeira e crayon/lápis. Isso lhe rendeu até uma piada do avô que, muito bem humorado, inventou essa mistura de francês com o dialeto cearense só para dizer que é muito fácil: Se le portê estiver fechê, pule por riba/se o portão estiver fechado, pule por cima. (nota do tradutor: Eu já não tenho cores para pintar tanto dialeto maluco!). Mais que algumas palavras, este menino ganhou uma boa base fonética, e também um gosto forte por idiomas. Sabem como é, né: Filho de peixe não morre afogado!
Aprendi o inglês e o espanhol (ou portunhol) porque são, ou melhor, eram os idiomas mais presentes no meu estudo e trabalho. Porém, o gosto por francês sempre esteve lá e depois da obrigação, comecei a estudá-lo por satisfação pessoal, sem pretenção nenhuma. Então, nas minhas poucas horas vagas, aprendia sozinho via Internet e assistia a TV5, embora não entendesse P.N. (Tradução politicamente correta: Praticamente Nada). Reconhecia palavras, mas não dava para encadeá-las nas frases para pegar a ideia toda. Para falar, era a mesma dificuldade.
Eis que, precebendo que a Mônica chegaria no Canadá sabendo mais francês mesmo começando do zero, que inglês continuando do que já sabia, meu sonho de morar em um lugar bilingue fica mais próximo. E mais: os idiomas eram francês e inglês.
Só que tinhamos poucos meses para fazer essa proeza. É aí onde entra em cena o Ruy, um professor particular de francês de Fortaleza. Por ele passam muitos dos Fortalezenses que vêm para o Québec. Ele conseguiu fazer um verdadeiro milagre. Com somente 36 horas aula, eu passei do nível de montar somente umas frases bobas e não entender um diálogo normal ao nível de ter mais de uma hora de entrevista por telefone, e ser contratado. Antes mesmo da entrevista, foi ele que me pediu, a título de exercício prático, para fazer um currículo em francês e mandar para uma oferta de emprego real. Parece mentira, mas foi assim que eu consegui o meu bom emprego daqui, ainda estando no Brasil.
Quando cheguei aqui, percebi que conseguia resolver os problemas como o Ruy me recomendou: "Não se preocupe por não falar bem como você gostaria e não deixe de falar por isso. O importante é se comunicar e resolver o que precisa. E isso você já faz".
Mas, sendo bem sincero, tem horas que não dá mesmo para entender! Por telefone a inteligibilidade é pior. Também se falarem rápido, o nosso processadozinho estoura. E, além dos problemas normais de comunicação que os imigrantes têm quando vão para as províncias anglófonas do Canadá, temos um outro que se chama français québécois/francês quebequense! Isso sem mencionar que muitos de nós temos que falar o inglês também.
Já ouviram um português falando? No começo, nem percebemos que é o nosso mesmo idioma. Depois é que começamos a sintonizar o ouvido. Pois assim é o francês québécois que se diferenciou do da frança pela distância. Quão diferente é do francês da frança que estudamos no Brasil? O suficiente para entendermos tudo que o cara do documentário fala, mesmo falando rápido, mas ao mesmo tempo, não entender nenhuma palavra do que a senhora disse no supermercado, mesmo repetindo a mesma frase três vezes. Algumas pessoas usam um sotaque mais neutro, mais standard: Os apresentadores de televisão, os mais cultos e, de certa forma, os mais jovens (adolescente é outra estória). É o reflexo das comunicações que deixam o mundo globalizado mais próximo. Por outro lado, os outros que carregam no sotaque...xiii!!! Demorou para eu acreditar que o pô, lô e çô eram o pas/não, /lá e ça/isso que eu esperava ouvir. Também chega a ser engraçado como o je suis/eu sou, simplesmente some e vira um chiado como shh e sem nenhum som vocálico. Dá até para fazer uma frase sem vogal: Je suis petit/eu sou pequeno, que vira shh p'tss. É tanto que muitos escrevem p'tit até em progadandas e produtos. Para compensar, algumas palavras tem um "degradê" prolongado de sons vocálicos como faire/fazer que se pronuncia tipo fááaaeeeeiiiire e tâche/tarefa que vira tááaaoooouuuche.
Também existem diferenças de vocabulário, como usar embarquer/embarcar e débarquer/desembarcar para ônibus e até para a gangorra do parquinho. E uma diferença bem propensa a uma boa gafe do que as refeições: déjeuner que na França é almoço, aqui é o café da manhã. Dîner que lá é o jantar, aqui é o almoço. E souper, aqui é o jantar e os franceses dizem: Ahh! Como se chamava muito antigamente, né?
Mas nada como o tempo para desenvolver o aprendizado e resolver esses problemas. E a galera daqui ajuda! A empresa banca duas horas de curso de francês por semana e a Mônica vai começar a francisação em tempo integral recebendo 460$/mês, fora uma ajuda de garderie/creche. No trabalho, onde preciso falar muito, em pouco tempo e sendo preciso, uso cada vez mais o francês e menos o inglês. Já dá para fazer um seguro por telefone passando por meia hora de perguntas. E o mais importante: Não tenho mais vergonha de falar, mesmo com erros e entraves. Porque se le portê estiver fechê, pule por riba, já dizia o meu sábio avô.

P.S. Se quiser saber o que é o nível avançado de francês québécois, tente entender o que esses bonecos falam: http://www.tetesaclaques.tv/. Se você entender, vai estar muito bem na foto.

9 comentários:

  1. Alexei, adorei o post!! É bom ver que tem "gente como a gente"!! rs Pq por mais que aqui a gente ache que fala e que entende bem, tenho certeza que quando chega aí a história muda. Muitos blogs não comentam sobre essa dificuldade, aí as vezes dá a impressão que a pessoa já vai com 100% do idioma, o que não é vrai né?! rs
    Se Deus quiser ano que vem estarei em sol canadien também... =)
    Abraços!
    Pat

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  2. Pat: Adicionei um p.s. no post. Por comparação, acho que o nível mínimo de francês garantido pela entrevista do processo do Québec não é lá essas coisas todas. Daí, tem muita gente que chega aqui bem pior que eu, mas se tiver garra, no final dá certo.

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  3. Ess professor de francês seu é porreta. Esse merece qualquer valor cobrado.

    E a vida segue...

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  4. Bom post esse. REalmente, qdo estive no Québec foi complcado xD eu era compreendido pelas pessoas, mas compreender...aí já é outra história.
    Mas até aqui no Brasil os sotaques diferentes geram dialetos diferentes de cada região, do norte ao sul, não é mesmo? Não seria diferente no Canadá.
    Mas é só questão de tempo mesmo...

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  5. Alexei, gostei do blog.
    Vejo agora que, por vários motivos, você estava no trabalho errado aqui no Brasil. Era pra ter trabalhado no Diário do Nordeste :-)
    Há alguns anos, tentei seguir seus passos recentes e entrei site de imigração. Na simulação,como eu já tinha entrado nos "enta", não houve jeito de eu ser aceito. Eu só era aceito quando dizia que tinha 39 anos. Pretendia ir com mulher, filhinha pequena. O papagaio ia ficar :-)
    Como não pude, fico aqui reino da rapadura, que é doce mas não é mole não.
    Abração.

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  6. ADOREI seus comentários! muito pertinentes. e confesso que stou um cadinho desesperada com o lance do francês. o bom é que, em ti, eu tenho o inglês pra me virar. mas quero muito evoluir no francês. não acho que eu vá querer falar à la québécoise, mas entender essa forma, me exprimindo no "francês internacional padrão".
    parabéns pela sua história de sucesso. esse negócio de idiomas contagia, né?

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  7. Sensacional, Alexei...

    Graças a você, já tô preparando o meu CV em français... Se Deus quiser, vou empregado também!!!

    Abração e a Paz
    Igor Schultz

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  8. Opa alexei, tranquilo? Legal a tua historia do frances! imagino o sufoco que deve ser no comeco!

    Li seu blog todo, nao agora claro, faz umas 2 semanas q quando tenho um tempinho entro no marcador e vou lendo os posts, (nao sei pq mais começando pelo fim ate o post do HSBC!)

    Mto legal as historias, o dia a dia, eu to no planejamento do processo e eh sempre interessante ficar vendo os relatos!1

    Enfim, Paraben pelo blog e pelas conquistas que vc ja conseguiu!!

    Abracos
    Felipe

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  9. Nossa bem legal sua estoria, eu estou querendo me mudar para o Canada.
    Parabéns pelo Blog

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